Faça a coisa certa
Quatro atitudes fundamentais para não perder tempo e dinheiro ao instalar um software de gestão numa pequena ou média empresa

Empreendedores à frente de pequenos e médios negócios que dão certo logo sentem necessidade de centralizar o controle de processos da gestão - como fluxo de caixa, cálculo de comissões de vendas, controle do estoque e emissão de folha de pagamentos. Quem for às compras vai encontrar mais de 100 sistemas específicos para pequenas e médias empresas que prometem pôr ordem em informações desencontradas em diferentes departamentos. Denominadas genericamente de ERPs (da sigla em inglês para Enterprise Resource Planning), esses softwares de gestão custam, de forma geral, de 20 000 a 200 000 reais. O preço varia em razão da complexidade das tarefas embutidas no programa e do volume de trabalho demandado na implantação.
Do dia em que desembarcam os técnicos encarregados de instalar toda a parafernália até a nova tecnologia se integrar ao cotidiano dos funcionários pode passar um bom tempo. "Não há como espremer em um ano uma implantação prevista para acontecer em dois", diz Daniel Torres, diretor da Cyberlynxx, consultoria de serviços de tecnologia da informação. "Mas há providências que cabem ao empreendedor tomar para evitar mais sofrimento nessa fase." Depois de comprar os programas e antes de a implantação começar, o empreendedor deve: 1) encarregar um funcionário de coordenar todo o trabalho; 2) promover uma faxina nos bancos de dados; 3) treinar os funcionários para os novos sistemas; e 4) não pedir modificações de última hora no projeto. Segundo os especialistas, isso ajuda a evitar a maior parte dos problemas que costumam acarretar atrasos, estouro no orçamento, empecilhos para a tecnologia funcionar direito - ou, no pior dos mundos, tudo isso junto.
Pai da criança para o projeto
Encarregue um funcionário de coordenar o trabalho
Há dois anos, o administrador Felipe Dall'a nese, de 36 anos, dono da Dall'anese, distribuidora paulistana de ferramentas para linhas de montagem, decidiu implantar um sistema de gestão que o ajudasse a controlar as finanças da empresa. Dall'anese resolveu que ele próprio seria o interlocutor dos técnicos da instalação. "Foi um desastre, pois eu não conseguia dar a atenção que o projeto exigia", diz ele. A situação piorou quando começaram a surgir problemas inesperados - por exemplo, a necessidade de comprar computadores novos para substituir os antigos, que não davam conta de armazenar o volume de informações produzidas pelo novo sistema. "Eu precisava sair atrás de fornecedores, comparar preços, negociar a compra", afirma Dall'anese. "Simplesmente não encontrava tempo para dar conta de tudo." No meio do processo, ele precisou contratar um analista de sistemas para socorrê-lo, gerando uma despesa adicional que não estava nos planos. Mesmo assim, os funcionários demoraram três meses além do previsto para começar a utilizar a nova tecnologia.
"A implantação de um software de gestão exige dedicação da pessoa encarregada pela empresa para tomar conta do projeto", afirma Felipe Calixto, diretor da fornecedora Sankhya. Segundo as empresas que implantam esses sistemas, por mais que o planejamento tenha sido detalhado antes do início desses trabalhos, dificilmente não ocorrem imprevistos e dúvidas de última hora que podem encarecer a conta do soft ware. Pode acontecer, por exemplo, de uma mudança na legislação afetar algum cálculo. Ou, durante essa fase, a empresa decidir abrir uma filial que também deveria receber o novo sistema. Nesses casos, os técnicos terão perguntas como: até quando os novos ajustes podem ser feitos? O que deve ser prioridade nesta semana? A função do funcionário escolhido para ser pai da criança é se virar com a burocracia interna para dar logo as respostas que não vão deixar a implantação emperrada. "Quando não existe essa pessoa, nossos técnicos ficam perdidos de porta em porta tentando descobrir com quem falar", diz Calixto. HORA DA FAXINA NAS MÁQUINAS Descarte as informações que não têm utilidade Na maioria das pequenas e médias empresas que crescem rapidamente, o gerenciamento das informações costuma ser improvisado pelos próprios funcionários. Um cria uma tabela no Word para o pagamento de salários. Outro faz uma planilha no Excel para controlar estoques. O gerente financeiro recém-contratado muda tudo e passa a administrar as contas a pagar e a receber pelo site do próprio banco com o qual a empresa tem relacionamento. "Ao longo do tempo, vão se criando documentos que não conversam entre si e que são preenchidos de um jeito que só quem criou entende", diz Silvio Mota, diretor para pequenas empresas da fornecedora Totvs. Um dos principais objetivos dos sofiwares de gestão é justamente integrar as informações de um departamento com as de outro, de forma a evitar que tarefas como localizar clientes inadimplentes há mais de três meses ou encontrar o nome do fornecedor que ofereceu o preço mais baixo na última cotação fi- quem paralisadas só porque alguém saiu da empresa ou entrou em férias. "Mas para isso é preciso que cada documento do computador obedeça aos mesmos critérios de linguagem", diz Mota. "Se datas e abreviaturas não estiverem padronizadas, os softwares não conseguem interpretá-los."
Dependendo do grau da bagunça em que as informações se encontram, pode valer a pena contratar consultorias especializadas em unificar e atualizar os arquivos, deixando- os prontos para ser colocados no novo sistema de gestão. Elas se encarregam, por exemplo, de acrescentar prefixos de telefones e CEPs e excluir dados duplicados ou digitados com erros. "É uma faxina, em que jogamos fora dados que a empresa não usa mais e arrumamos o que fica", diz Ricardo Sleiman, diretor da Zipcode, que presta esse tipo de serviço. Quando a limpeza não é feita, pode haver contratempos, o sistema pode indicar cobranças ou entregas de mercadorias para endereços desatualizados, por exemplo.
Dia de treinamento
Prepare os funcionários para receber as novas tecnologias
Alguns anos atrás, os 90 funcionários da Imperial Bakery, distribuidora paulistana de produtos alimentícios, passaram duas semanas tendo aulas para aprender a usar um novo software de planejamento contábil que substituiria as anotações espalhadas por planilhas de vários departamentos. O aproveitamento variou de pessoa para pessoa. "Nas primeiras semanas, muitos ainda mantinham controles paralelos em suas planilhas", diz Samuel Andreghetto, dono da Imperial Bakery. "Eles não sabiam usar bem a nova tecnologia e ficavam com medo de armazenar algum cálculo errado." A solução do problema parecia requerer mais treinamento. "O jeito foi reunir todo mundo de novo", diz Andreghetto. "Mostramos que, quanto menor a resistência à nova tecnologia, mais produtivo seria o dia de trabalho de cada um."
Em geral, deve-se reservar cerca de 20% do custo total de implantação para treinamento. A carga horária de um curso como o que foi dado na Imperial Bakery é de cerca de 30 horas, com aulas divididas em duas semanas. Como sempre acontece na introdução de novas tecnologias, é normal que nas primeiras semanas a produtividade caia até 30%. Mas se tudo for feito corretamente, espera- se que depois de cinco ou seis meses a produtividade, em alguns casos, possa até dobrar. "Para melhores resultados, as aulas não podem se limitar às características técnicas do sistema", diz Calixto, da Sankhya. "O mesmo treinamento deve servir para os funcionários aprenderem mais sobre os processos para os quais a tecnologia será usada." As aulas geralmente são ministradas pelos técnicos do fornecedor do software. Antes de fechar contrato, o empreendedor pode acompanhar um dia de treinamento em outro cliente. "Assim, ele pode avaliar se o conteúdo é transmitido de forma clara", diz Calixto.
Doutor Frankenstein
Não peça para encaixar novos recursos durante o processo
É tentador querer que o novo sistema dê conta de atender o maior número possível de necessidades do negócio. "Para aproveitar a ocasião, muitos empreendedores querem incluir recursos de última hora", diz o consultor Vivaldo José Breternitz, especializado em softwares de gestão. "Mas nem sempre eles entendem que muitas vezes o que parece uma pequena modificação exige mexer quase no programa inteiro." Quase todo mundo que já precisou reformar a casa sabe o que costuma acontecer nesse tipo de situação. No meio das mudanças no banheiro, resolve-se aproveitar que será preciso trocar os azulejos para também colocar molduras de gesso no teto. Só que, como elas não haviam sido providenciadas, a pintura do teto não anda até que sejam escolhidas e entregues. Já que o teto terá de esperar, será que não seria o caso de aproveitar para melhorar também o sistema de iluminação? Também no caso dos softwares, mudanças de última hora costumam levar a outras mudanças. Resultado: a implantação vai demorar mais tempo do que o previsto e custar mais caro.
O empreendedor Paulo Romes, sócio da Junco, fabricante mineira de alimentos para festas infantis, já passou por isso. Na Junco, os percentuais de comissão dos vendedores variam de acordo com a linha de produto, a forma de pagamento e o desconto concedido ao cliente - vendedores que conseguem condições mais rentáveis para a empresa são recompensados com comissões mais altas. Há dez anos, Romes implantou um software para auxiliar no gerenciamento da folha de pagamentos. O sistema, contudo, não era compatível com a forma como a empresa calculava as comissões. "Chegamos a pedir um orçamento para modificar a ferramenta, mas a adaptação custaria 20% mais do que o projeto original e demoraria dois meses", diz Romes. O problema foi facilmente resolvido com uma mudança no cálculo. A nova fórmula preservava a ideia da recompensa por resultados e era condizente com o programa. "Na maioria das vezes, é mais sensato reavaliar esse tipo de detalhe e adaptar o procedimento ao software, em vez de modificar o programa", diz Breternitz.

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